quarta-feira, novembro 02, 2005

Lua de Mel 2 - um vendaval

Começamos muito bem, achando que tudo seria muito emocionante e, principalmente, rápido. Pelos nossos cálculos, sairíamos do hotel ficaríamos umas 10 horas no abrigo e depois voltaríamos para a balada.

Saímos para o abrigo muito organizadamente, de ônibus em ônibus, já dentro da Lei Seca (muito ruim...), para irmos ao Plaza de Las Américas, onde ficaríamos no cinema. Este seria nosso abrigo. Chegamos lá e descobrimos que estávamos nós e o outro hotel da rede. Umas 2000 pessoas, no cinema, que é tipo um Cinemark, com 11 salas. Pegamos uns lugares bem confortáveis, 7 cadeiras para eu e o Gu deitarmos tranqüilamente. Beleza. Chegamos por volta das 14h (do dia 20) e a previsão para a passagem do furacão era para aquela noite (pena, isso significava que não haveria balada :-(

Jantamos não a comida do hotel, mas sanduíches com fartura, frutas, sucos. Nada do que reclamar. Aliás, sim, porque não tinha bebida. E nem como tomar banho. Mas até aí, tudo beleza.

O pessoal do hotel foi exepcional. Até passaram um filme, "The Wedding Crashers" uma comediazinha que valeu para darmos umas boas risadas e fazer o tempo passar, afinal não tínhamos muito o que fazer senão lermos (até que desse dor de cabeça, pois a luz não era a mais propícia). Aliás, 'devorei' o "Sushi for Begginers" (thanks Paty!!!). Salvou a minha vida. Eu teria enlouquecido. Comecei até a ler "Angels and Demons" depois. Daí a força acabou. E, realmente, ficamos sem ter o que fazer, porque o gerador era muito fraco para ler.

Neste meio tempo as pessoas começam a se ajudar. Uma americana muito fofa me ofereceu seu celular para eu ligar para o Brasil, para podermos avisar da situação. Minha mãe, claro, desesperada.

Tivemos o prazer de encontrar 3 brasileiras: Dulcinéa, Salete e Cássia. E depois, um casal com um filhinho: Rogério, Michelle e Lucca, de 3 anos. Bom termos mais de nós neste momento.

O barulho a noite foi terrível, mas pelo menos acordamos felizes de que voltaríamos para o hotel. Qual não foi nossa surpresa ao descobrirmos que o barulho da noite anterior não tinha sido o furacão, mas uma pré-tempestade. O status era de que o furacão tinha diminuido sua velocidade, apesar de a categoria permanecer 5, e que por isso ainda não tinha chegado em Cancun. A previsão seria para às 14h. No horário, nada. A previsão passou a ser por volta das 20h. E nada. E cada vez o furacão mais devagar. Tivemos que mudar de sala porque na nossa, o chão havia inundado e o pessoal não tinha mais como puxar água no rodo. Fomos da sala 9 para a sala 4. Demos sorte, porque mesmo lá conseguimos 4 cadeiras. O Gu preferiu dormir no chão, pois já estava com dores nas costas.


Nosso abrigo detonado

O inferno havia começado, pois os banheiros já não estavam mais funcionando pela falta de água, então o pessoal improvisou com tinas, garrafões de água mineral cortados, etc. A coisa estava começando a ficar feia.

Ele veio. Ou "ela" veio, porque em inglês furacão é feminino e "ela", no caso, era Wilma. Aquela coisa meio Fred Flinstone, muito maior do que o imaginado. WIIIIIIIIIIIIILLLLLLMMMMMAAAAA!!!!
Um barulho fenomenal. Ensurdecedor. Aterrorizante. Indescritível. E que não acabava nunca. Sem dúvida, foi a noite mais longa de todas as minhas insônias.

Pela manhã o barulho já era menor. Tentamos sair para ver os estragos. Mas muita coisa já dentro do cinema estava detonada. O teto da parte onde eram dadas as refeições (que há muito já estavam sendo racionadas) havia desmoronado. Desta área, onde podíamos ver o corredor do shopping, muito vidro no chão, pois o teto dos corredores, de vidro para facilitar a entrada da luz natural, veio todo abaixo.

No meio final da manhã pudemos descer para o estacionamento do shopping. O estrago era bem grande, muito alagamento, muitos postes caídos. O pessoal do hotel decidiu que deveríamos abandonar o cinema, mudando para o estacionamento, onde seria muito mais seguro. Muito menos confortável também, que ficasse claro para todos.


o abrigo desabado

Ao chegarmos no estacionamento escolhemos um local que era um acesso ao andar do shopping, ou seja, tinha uma boa entrada de luz natural, o que contribuiu para boas horas de leitura. E também estávamos como numa 'calçada', ou seja, não estávamos no chão direto. Bem mendigos mesmo he he. Os banheiros improvisados começaram a ser deixados de lado e o povo começou mesmo a usar o "banheiro" entre os carros ou na parte externa do estacionamento. Eu comecei a reduzir a comida e bebida para evitar de ir ao banheiro. Terrível. Nem água eu queria beber. Até que o Gu me lembrou que eu poderia ficar desidratada e seria muito pior. Lá vamos nós, comer e beber só pra poder sobreviver. Terrível. Só queríamos ir embora dali e voltarmos para o hotel. Em determinado momento, fomos avisados que os ônibus chegariam por volta das 18-20 horas para retornarmos ao hotel. O povo enlouqueceu de alegria, claro. Muita gente já fez a "trouxa" e desceu para o estacionamento aberto, para esperar. Eu e o Gu ficamos, aumentamos nosso espaço, pois ainda teríamos umas boas 3 horas até a saída. Então, quando começavamos a nos preparar para descer o pessoal começa a voltar. Os ônibus não viriam. E por esta não poderíamos esperar. A noite seria ali. No chão.

Se a noite anterior foi ruim, esta foi muito pior. A calmaria havia se dado porque estávamos no olho do furacão. Ele não tinha ido embora. Havia voltado e com muito mais força. Ali foi o inferno.


Nossa "cama" no estacionamento

A água da chuva começou a subir e no andar inferior quase chegou ao teto. A água escorria pelas rachaduras de escoamento e o barulho era infernal. E começava a inundar o piso. Muita gente começou a subir nos carros e o Gu quis quebrar uma janela para que nós dormíssemos seguros. Deixamos esta possibilidade para só que realmente a água subisse para perto de nossa "calçada". O cheiro começou a ficar insuportável, porque afinal ali virou um banheiro público a céu aberto, para 2000 pessoas. Indescritível. Foi como estarmos morando embaixo da ponte no rio Tietê e o rio inundasse. O barulho do furacão era insuportável, muito mais que no cinema. Foi uma noite terrível, dura, gelada não de frio, mas de desespero. E nós ali, juntos, não tendo o que fazer senão rezar. E esperar.

Pela manhã o Gustavo aparece com dois saquinhos de salgadinhos dizendo que não havia mais comida e que o pessoal havia invadido o supermercado atrás de comida e água. Pouco depois uma inglesa aparece com um monte de salgadinhos, dizendo que soube que passaríamos ali os próximos 10 dias. Acho que foi meu momento de desespero. Falei para o Gu para irmos ao supermercado buscar mais comida. Não muito, pois não queríamos imaginar que ficaríamos ali por tanto tempo. Subimos. Pegamos bolachas, salgadinhos e água, muita água. Além de um sabonete e papel higiênico. A aquela altura eu já estava nojenta, suada, assada do suor, com dores no corpo, com um nojo incrível de mim, do lugar, de tudo. Só queria voltar para a minha casa. Só isso.

O supermercado havia sido detonado. Não só por comida e bebida, mas muitos tiveram a coragem de pegar máquinas fotográficas e otras cositas más, pelo que nos falaram. Aliás, soubemos que nestes casos a população invade para roubar TV, DVD, etc. Loucura.

Pouco depois da uma da tarde o pessoal do hotel disse que nos levaria para um outro local. A chuva havia parado e fomos levados (a pé, claro) para uma arena de touradas, a uns 850m dali. O paraíso. Luz natural e ar puro, sem o cheiro de esgoto do estacionamento. De tarde começaram a levar a turma para o hotel. Não ao nosso, que foi todo detonado, mas o Gran Costa Real. Todos os 2000 teriam que se espremer nos apartamentos que sobraram dos 350 disponíveis. Muitos deles não poderiam ser usados por causa do estrago.

Demos sorte porque nossos amigos Michelle e Rogério estavam hospedados naquele hotel então todos os brasileiros (8, pra ser mais precisa) ficara no mesmo quarto. Pra quem ler isso e assustar, relaxe. Poderia ser pior. Muita gente não coube nos apartamentos e precisou ficar em salas de reunião. Mas neste caso, as salas eram pequenas e não tinha ar condicionado, então ali era o inferno. No quarto pelo menos deixamos a janela aberta e a porta idem, assim o ar circulava e dormimos muito bem. Exceto pelo fato de aí eu ter desenvolvido um certo problema intestinal e ter passado o inferno.

A partir daí ficamos mais 5 noites em Cancun, sem água, sem energia elétrica, mas pelo menos com comida e água para beber. Tá certo que a determinada altura eu comecei achar que eles estavam fervendo a água contaminada e que não estava adiantando muito.

O que todo mundo quer saber: sim, a cidade estava pavorosa. 90% das árvores plantadas na Zona Hoteleira voaram e para que alguns veículos passassem elas foram cortadas e colocadas de lado. As que ficaram estavam sem nenhuma folha, ou seja, o cenário colorido de Cancun, do azul do mar com o verde das plantas não existia mais. O mar estava marrom porque o mar passou por cima dos hotéis (literalmente a água invadiu até o 3° andar dos hotéis antes do cotovelo) e foi até a Lagoa Nichupte, trazendo toda a sujeira de volta. Ou seja, Cancun vai parecer Santos por uns 2 meses. Nenhum hotel da Zona Hoteleira antes do cotovelo ficou habitável. Uma parte do Hilton veio abaixo, vai ter que ser todo refeito.


Uma das árvores levantadas

Ficamos lá, tomando banho de tina por mais 5 dias, até que conseguimos uma reserva para o dia 26. Infelizmente a coisa havia mudado e por causa da Lei Marcial (muita gente saqueando muita coisa), o exército havia fechado todos os caminhos e ninguém poderia ir ao Aeroporto. No dia 27 acordamos às 5 de la matina para irmos para uma escola onde teríamos que pegar uma senha para tentarmos voltar para os Estados Unidos. Graças a Deus, pouco mais que meio-dia, as senhas laranjinhas chegaram até nós, quase os últimos da fila (quer dizer, a escola foi fechada pouco depois que entramos e na rua ainda havia uma fila de quase duas milhas).

CONSEGUIMOS!!! Voamos para Dallas e a melhor notícia que eu havia ouvido em dias foi o comandante dizendo... "Guys, let's take these people home!" O avião foi ao delírio...


To be continued...

Um comentário:

Anônimo disse...

Su,depois de ler toda essa novela ''legitimamente mexicana'' cheguei a uma conclusão (bem óbvia):
O (ou a ) Wilma sentiu em vc uma concorrente em potecial e foi lá para tirar isso a limpo.
em outras palavras: o furacão é culpa SUA!
BEIJO, JEAN